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Por que nossas escolas ainda estão tão distantes da Inovação?

Updated: Jun 18, 2020

(*) Luciana Allan




"Sem dados você é apenas uma pessoa qualquer com opinião". A frase do cientista de dados W. Edwards Deming retrata a importância que os dados ganharam em nossas vidas. Seja qual for seu campo de atuação, não será mais possível desenhar ações, processos ou mesmo, dar bons encaminhamentos, que não sejam baseados em dados. Dados não mentem, revelam. E no universo da educação não é diferente. O processo de transformação das escolas rumo à inovação só acontecerá se tivermos dados suficientes disponíveis que nos mostrem quais decisões devemos tomar aqui, agora e amanhã.


Foi pensando nisso que decidimos criar no Instituto Crescer uma ferramenta, o APEI-50 - Avaliação das Práticas Educacionais Inovadoras, que coletou respostas de 5.411 professores de 317 escolas, permitindo nos trazer um primeiro olhar para o que vem sendo feito no Brasil com apoio das tecnologias digitais.


Ao analisar a autoavaliação feita pelos professores em relação ao uso das tecnologias digitais no dia a dia do fazer pedagógico, constatamos que ainda estamos em um estágio muito inicial de inovação. Mesmo as escolas particulares, que apresentam índices mais elevados que as públicas em vários aspectos, ainda se encontram no nível básico.


Só isso já seria suficiente para acender um sinal de alerta, não é mesmo?


Mas o cenário é ainda mais preocupante. Recentemente, o Inep divulgou os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, o Pisa. O estudo revela que estamos entre as 20 nações com pior desempenho em ensino básico no mundo, o que significa que vamos mal, muito mal, em Matemática, Ciências e Leitura.


E o que uma coisa tem a ver com a outra?


As tecnologias digitais trazem inúmeras possibilidades para o desenvolvimento de competências para interpretação e produção de diferentes tipos de textos, assim como para trabalhar aspectos relacionados à matemática e às ciências. 


Além de ser uma ferramenta que está nas mãos dos alunos, a tecnologia permite que eles tenham acesso a outras pessoas e culturas, disseminem o trabalho que vêm fazendo, lutem por uma “causa”, utilizem simuladores e realidade virtual para entender conceitos complexos, façam pesquisas, criem soluções para resolver problemas da sua comunidade por meio da robótica e muito mais. 


No final do dia, tudo isso mobiliza conhecimentos e competências relacionadas ao Letramento, Matemática e Ciências, que são exatamente os aspectos abordados pelo Pisa.


O Fórum Econômico Mundial divulgou recentemente seu estudo "Escolas do Futuro, definindo novos modelos de Educação para a 4a Revolução Industrial", no qual indicou 8 mudanças essenciais para revolucionar a aprendizagem com vistas ao futuro do mercado de trabalho: 1) Habilidades de Cidadania Global, 2) Habilidades de Inovação e Criatividade, 3) Habilidades Tecnológicas, 4) Habilidades Interpessoais, 5) Aprendizado personalizado e com ritmo próprio, 6) Aprendizagem acessível e inclusiva, 7) Aprendizagem colaborativa e baseada em problemas e 8) Aprendizagem ao longo da vida e orientada para os alunos.


Quando olhamos este estudo, também convergimos para o que já foi falado antes, o que nos leva à confirmar que focar apenas no desenvolvimento das habilidades técnicas não é mais suficiente, exigindo cada vez mais o investimento de ações que levem ao desenvolvimento das competências socioemocionais e digitais.


A verdade é que os obstáculos começam antes da sala de aula


No entanto, o desafio principal para avançarmos, começa bem antes disso, reside no contexto social em que estamos inseridos. Visitando a Finlândia recentemente, reconhecida como um dos países com melhor qualidade educacional no mundo, vejo que a cultura daquele povo, onde confiança e equidade são valores genuínos, é o que sustenta um modelo educacional exemplar. A escola nasce deste contexto e é vista como a semente para levar o País rumo à economia da inovação e sustentabilidade.


E o Brasil está muito longe disso… De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil é o segundo país com a pior distribuição de renda no mundo, atrás apenas do Catar. Essa desigualdade se reflete também no acesso às novas tecnologias, o que inevitavelmente compromete o nosso desenvolvimento enquanto nação.


Além disso, segundo os critérios da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, somos um dos países mais desiguais em aprendizagem quando comparamos estudantes considerados ricos e pobres.


E por fim, o Mapa da Aprendizagem, realizado pelo Portal Iede, reforça esta afirmação. Baseado nos dados do Pisa, o levantamento revela que os alunos da elite brasileira estão, em média, 100 pontos à frente dos mais pobres na avaliação. Com isso, ocupamos a quinta posição no ranking de maior diferença entre alunos dos extremos dos níveis sociais.


Desafios não faltam


O índice APEI-50 detalha o quadro da educação brasileira com cinquenta indicadores que permitem avaliar o quanto os professores vêm inovando nas práticas pedagógicas, além de identificar pontos de melhoria no uso de tecnologias educacionais. Ele considera valores que variam entre 0 e 4 e que correspondem às categorias Emergente, Básico, Intermediário e Avançado, em uma escala crescente de adoção tecnológica pelos professores. 


De forma geral, o iAPEI-50 (Índice APEI-50) revela que não há nenhum aspecto que se encontra em nível avançado de inovação pedagógica. O melhor resultado é apresentado pelos indicadores que refletem a visão dos professores sobre os resultados educacionais relacionado às Competências Socioemocionais, no qual o iAPEI-50 é de 2,07, sendo considerado como um nível intermediário de inovação pedagógica.


Ao analisar por Perfil de Instituição, o estudo descobriu que existe uma grande distância entre escolas públicas e privadas no que diz respeito à visão dos professores para os resultados educacionais relacionados às Competências Digitais. As escolas públicas apresentam um iAPEI-50 de 0,77 e as privadas 1,51, uma diferença de mais de duas vezes. Entretanto, mesmo as particulares ainda estão longe do cenário ideal, apresentando um nível básico.


Como mudar esse cenário?


Bem, não há uma resposta fechada para esta questão. Há um caminho longo e desafiador pela frente. Promover uma educação que atenda às necessidades do século XXI envolve não apenas professores, alunos e governantes, mas a sociedade como um todo, cada um, dentro do seu papel e responsabilidade, buscando contribuir com este processo de transformação.


O APEI-50 foi a maneira que encontramos para fazer parte desta história e avançar rumo à uma nova educação que faça mais sentido para os alunos, tudo com base na visão de quem vive o dia a dia do fazer pedagógico. Inclusive, fica aqui o convite para que você leia o relatório, com alguns insights do primeiro ano desta avaliação.


E, se você faz parte de uma instituição de ensino, compartilhe esta oportunidade com seu gestor. Aproveitem o início do ano letivo para aplicar esta avaliação e, a partir daí, dar o primeiro passo para edificar uma escola inovadora. Vale lembrar que a avaliação APEI50 é online e gratuita e deve ser respondida pelos professores(as) que estão em sala de aula, como uma ação de autorreflexão sobre a sua prática.


Sabemos que não existe uma fórmula mágica para o sucesso, mas sem sombra de dúvidas, a jornada de transformação começa no debate de ideias e, principalmente, na vontade de fazer diferente. O Brasil só vai recuperar o tempo perdido e embarcar na economia da inovação se começar a investir agora na educação. É isso ou corremos o risco de continuarmos sendo o eterno 'país do futuro'.


E então? Vamos juntos perseguir a inovação na educação?



(*) Luciana Allan é diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação



Este artigo foi originalmente publicado no meu blog na Exame

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